Capítulo 7

— Isto já deixou de ser estranho…

— A parte de desmaiar na escola e acordar noutro mundo? Sim, concordo. O que continua a ser estranho são os mundos onde acordamos.

— Sim…

— Margott, já te disse que detesto quando estás certa sobre uma previsão qualquer?

Para bom entendedor meia palavra basta, e a Steph não tinha de dizer nem mais uma palavra para nós percebermos que o que a Margott tinha dito sobre um mundo controlado pela Inteligência Artificial estava totalmente certo. Estávamos numa floresta de onde se via, ao longe, uma cidade com robôs a dizimar tudo e todos. Era assustador. Aquela realidade alternativa não era nada do que eu tinha imaginado que seria. Olhei para a placa ao nosso lado e li o que dizia.

Lisboa
Presidente: IA
Ano: 2402

Tinha marcas de sangue e rabiscos a pedir ajuda. O nome do antigo presidente era ilegível e por cima dizia “IA”. A Inteligência Artificial tinha mesmo tomado conta do mundo. A placa era perturbadora. Os gritos que vinham da cidade eram perturbadores. Tudo aquilo era perturbador. Mas foi ainda mais perturbador quando eu e os meus amigos fomos presos e arrastados para dentro da floresta, sem poder gritar ou pedir ajuda.

Mas mesmo que pudéssemos, quem é que ouviria?


\[ \lll \ggg \]

— Quem são vocês? - perguntou um dos seres mascarados que nos tinha levado para dentro da floresta.

— Podia perguntar a mesma coisa! - respondeu a Steph. Só mesmo ela para fazer frente a desconhecidos mascarados e armados.

— Mãos na cabeça. Rápido!

O ser mascarado que estava mais à frente do grupo apontou-nos uma lança. Ai! Porque é que agora toda a gente nos aponta armas? Nós reclamamos do Sr. Nevada, mas pelo menos ele era fofinho!

— Quem são vocês? Quero nomes! - repetiu o ser mascarado.

O John já estava a abrir a boca, quando eu avisei:

— John, faças o que fizeres não lhes digas os nossos nomes!

— Boa, Kora!

— Stephanie!

— A sério, Margott?!

Calámo-nos e olhámos para o ser mascarado. Ele (ou ela) devolveu o olhar, os seus olhos mostrando troça.

— Uau, vocês são mais burros do que parecem. O que é que vão dizer a seguir? “Faças o que fizeres não lhes digas que somos espiões.”?

— Não, nós não vamos dizer isso, porque nós não somos espiões.

— Então o que diabo é que estão aqui a fazer?

— Para ser sincero, não faço ideia. E elas também não.

— Ouça, nós somos adolescentes perdidos, que não fazem a menor ideia do que se está a passar neste mundo louco. Por isso, se puderem por favor explicar-nos…

— Então… vocês não são mesmo espiões?

— Não! - dissemos em uníssono.

— De certeza?

— Sim! - confirmamos a uma só voz.

— Ótimo. Só para confirmar. Sigam-nos.

O ser baixou a lança e tirou a máscara, revelando ser um homem de mais ou menos 20 a 22 anos de idade. Não lhe dava mais do que isso. Eu e os meus amigos entreolhamo-nos e seguimos o grupo até ao centro da floresta. Lá, havia um acampamento humano, escondido dos robôs da cidade. Todas as pessoas lá, independentemente da idade e do género, estavam vestidas com folhas ou peles de animais selvagens. Além disso, todos, desde os adolescentes até aos idosos saudáveis, tinham armas. Também havia baldes de água por todo o lado. Não percebi logo porquê, até porque não havia fogo em lado nenhum. No entanto, tudo parecia ser inflamável. Não se via tecnologia em lado nenhum.

— Para que é isto tudo? - O John é o melhor a verbalizar o que todos pensam. Sempre.

— É para combater os robôs, no caso de eles encontrarem a colónia.

— Claro que é…

Continuamos a segui-lo, ignorados por todos, até chegarmos a uma cabana, maior do que as outras, mesmo no fim da tal colónia. Lá dentro estava uma senhora velhinha, provavelmente a mais velha, e os seus guardas. Estava melhor vestida do que os outros e tinha a cara pintada de branco, como os índios. Devia ser a chefe da colónia.

— Bom dia, Mãe Natureza. Trouxe-lhe quatro forasteiros. Encontrei-os no limite da floresta. - virou-se para nós e continuou - Forasteiros, esta é a Mãe Natureza. Chamamos-lhe assim porque ela sabe muito sobre muita coisa, principalmente da natureza.

— Cheguem mais perto crianças, a visão desta pobre velhinha não é tão boa como antes.

Nós demos um passo à frente e a senhora levantou-se, incrédula. Ela olhou-nos nos olhos, um de cada vez e depois diretamente para o fundo da nossa alma. Pelo menos, para o fundo da minha alma. Ao fim de alguns segundos disto, exclamou como se fosse um milagre.

— São os guerreiros elementais!

Todos na cabana ficaram a olhar para nós e eu posso jurar que ouvi alguém a meter a cabeça dentro da cabana para ver o que se passava, mas acabou por se ir embora.

— Tem a certeza?

— Absoluta! - A Mãe Natureza virou-se para o guarda que tinha perguntado. - Vê, os olhos, o cabelo, a ponta dos dedos… São eles!

Olhei para os meus amigos. Eu tenho perfeita noção que cada um de nós tem uma cor de olhos diferente: azul, verde, castanho avelã e cinzento.

Quanto ao cabelo, também são todos diferentes. O do John é curto, meio ondulado e claro. O meu é muito ondulado e rebelde nas pontas e quanto à cor pode dizer-se que é ruivo. O da Steph é perfeitamente liso e preto azulado, e o da Margott é comprido e rebelde, qualquer coisa entre o liso e o encaracolado.

Tendo isso em conta, analisei os dedos de cada um. Da última vez que reparei estava tudo normal: cada um tinha cinco dedos em cada mão, desde o polegar até ao mindinho.

Não que isso tivesse mudado, mas agora os meus dedos estavam, digamos, chamuscados nas pontas, os do John estavam meio transparentes, os da Steph estavam roxos, como se estivessem muito frios, e de alguma forma pareciam estar a… derreter? E os da Margott tinham rachaduras.

Estranho…

— Alguém pode, por favor, explicar-nos que diacho são esses guerreiros elementais?!

Típica delicadeza da Miss Stephanie.

— Vocês vão ajudar-nos a derrotar os robôs. De vez.

— E como é que nós vamos fazer isso?! Somos adolescentes!

— Adolescentes com poderes incríveis! Poderes esses que vão usar para nos ajudar.

Eu, a Margott e o John, que somos pessoas normais, com bom senso, ficamos incrédulos. A Steph, que não se encaixa nessas coisas de “normalidade” e “bom senso”, desatou a rir, a achar que a Mãe Natureza, e provavelmente todo o resto do mundo, estavam loucos. Ficámos assim um minuto, um minuto em que só se ouvia a Steph às gargalhadas, até que começamos a ouvir gritos e alguém irrompeu na cabana da Mãe Natureza. Só aí é que a Steph conseguiu parar de rir, provavelmente por causa do susto. A mãe Natureza, que entretanto já se tinha sentado, voltou a levantar-se, mais rápido do que eu consigo dizer “Mãe Natureza”.

Para uma senhora que aparenta ter 90 anos ou mais, ela está ótima fisicamente. Quanto ao psicológico, ainda estou na dúvida…

— São os robôs, Mãe Natureza! Encontráram-nos!

Ela olhou para nós e eu vi nos seus olhos que ela, e todos aqueles que viviam na sua colónia, precisavam da nossa ajuda. Também sabia que, moralmente, tínhamos de os ajudar.

Se é luta que os robôs querem, é luta que eles vão ter.

Suspirei.

— Sigam o guião…