Capítulo 3
Quando acordei, estava na minha sala, sentada no meu lugar. A professora de português estava a olhar fixamente para mim. Nem sequer pestanejava.
Olhei para os meus amigos. Eles olharam para mim.
Percebeu-se pela sua expressão que eles também não faziam ideia do que se estava a passar. Achei que não tínhamos saído da sala e que o ponto-barra-buraco-negro-flutuante não nos tinha levado a lado nenhum. No entanto, reparei que o tal livro que eu tinha visto aparecer já não estava lá. Podia ter sido só a minha imaginação? Sim, podia. Mas achei melhor não arriscar. Por isso virei-me para os meus amigos e disse num murmúrio praticamente inaudível:
— Sigam o guião.
Virei-me para a frente quando a Margott disse:
— Estava a dizer… professora?…
A professora olhou lentamente para ela, mexendo apenas o pescoço e sem piscar uma única vez, abriu a boca, mostrando as presas que não devia ter e rugiu! Nisto, todos os alunos se levantaram, mostrando os seus olhos brancos.
— É uma história de terror! Para a porta, rápido! - Foi a Steph quem percebeu primeiro. Infelizmente era também ela quem estava mais longe da porta e o seu grito tinha atraído os alunos-zombies, que agora a cercavam. A Steph não tinha escapatória possível.
— Esqueçam, ajudem-me primeiro!
Procurei qualquer coisa que pudesse usar como arma. Peguei na pilha de livros que estava na minha mesa e comecei a atirar. Percebi que não estava a dar em nada, ao fim de 10 segundos. Já não tinha mais livros para atirar, por isso procurei no estojo, para ver se tinha alguma tesoura. Provavelmente não ia ajudar minimamente, mas eu estava em pânico.
— Argh! Porque é que as escolas não têm armas contra o apocalipse zombie?!
Apercebi-me que a professora tinha desaparecido. Não interessava. Estava demasiado preocupada em derrotar o resto dos zombies que estavam na sala para me preocupar com um que nem sequer sabia onde estava.
— Quem me dera ter uma arma qualquer!!! - Achei que só tinha dito isto na minha cabeça, mas pelo que parece não, porque depois ouvi um suspiro de admiração, logo antes de a Margott gritar:
— Pensem numa arma! Qualquer uma! Se visualizarem o que querem, isso aparece!
Por qualquer razão desconhecida a todos, eu fiz exatamente o que a Margott disse, mesmo duvidando que fosse funcionar.
E no entanto, funcionou!
“Genial!”, pensei, quando um bastão me apareceu nas mãos. Um bastão verdadeiro. E não era a minha imaginação. Quer dizer, tecnicamente era, mas era imaginação palpável!
— Óh minha malta! Vocês vão ficar aí a pensar na morte da bezerra, à espera que o que raio que isto seja me coma o cérebro?!
— Pois!
E começamos, eu, a Margott e o John a bater no “que raio que isto seja”. Não parámos de atacar até eles estarem todos no chão, sem sinais da segunda vida e só aí é que percebi a estupidez que me rodeava: A Steph estava encolhida a um canto, toda arranhada e com as mãos a proteger a cabeça, e sinceramente era a única coisa decente naquele cenário. O John tinha uma régua numa mão e uma tesoura na outra, e a Margott tinha uma pilha de manuais como arma.
— Ai, pelo amor de Deus! Podiam ter pensado em qualquer coisa! Será que fui a única a escolher alguma coisa minimamente decente?!
Eles encolheram os ombros.
— Argh! - suspirei e virei-me para a Steph - Anda Steph, temos de sair daqui para tratarmos desses arranhões.
Ajudei-a a levantar-se e fomos em direção à porta, que, como da última vez, dizia “Para a casa conseguires chegar, a história terás de acabar”. Mas antes de conseguirmos lá chegar, a professora pôs-se à nossa frente, guardando a porta. Veio na nossa direção, pronta para atacar e… PUM!!! Ouviu-se um tremendo estrondo e a professora caiu no chão. Então a Steph virou-se para nós, tirou o cabelo dos olhos com uma mão enquanto segurava uma frigideira na outra, e disse:
— Vamos embora. Não aguento mais zombies!
Eu sorri. Era uma cena digna de filme. Eu e os meus amigos, todos arranhados e sem fôlego, com armas (algumas delas estúpidas) que nos tinham salvo a vida, e imensos zombies mortos, pela segunda vez, no chão.
Aproximamo-nos da porta, que agora estava aberta e dizia “Para a casa poderes voltar, terás de me fechar”.
Mais uma vez, agora sem surpresa nenhuma, fechamos a porta e regressámos à aula normal (sem zombies, desta vez), já sentados nos nossos lugares. Na minha mesa estava um livro. Um livro que, como podem imaginar, tinha uma capa com um rapaz e três raparigas. Também tinha zombies, um grande e os outros todos mais pequenos. E, adivinhem, passava-se numa sala de aula. Pus o livro dentro da mochila e olhei para o quadro. Lá estava escrito “Leitura Recreativa”. Só depois é que percebi que estavam todos em grupos. Também percebi que, na realidade, os meus amigos estavam à volta da minha mesa, e não na deles.
— Se algum grupo tiver acabado de ler, podem conversar. Baixinho!
Não… Calma! Aquela professora, super chata que nunca nos deixa fazer nada, disse que podíamos conversar?? Ou eu estou a ficar louca, ou ter-se tornado num zombie durante meia hora deu-lhe a volta aos miolos! Mas já que temos oportunidade, é aproveitar.
Os meus amigos falaram primeiro.
— Enfrentámos o apocalipse zombie numa sala de aula. Eu já vi de tudo! - disse a Margott.
— Pelo menos já sabemos que se imaginarmos alguma coisa, ela aparece. Já não é mau. - observou o John. A Steph, porém, continuou calada. Todos olhamos para ela. A sua expressão e os olhos vazios perturbaram-me. Ela não estava bem.
— Steph. Tu… estás bem?
Ela virou os olhos para mim, como uma daquelas bonecas mal-assombradas e respondeu:
— Eu fui atacada por vinte zombies ao mesmo tempo, sem saída e sem me conseguir defender. Matei, pela segunda vez, uma zombie com a cara da minha professora preferida e quase morri. Tudo isto em meia hora, no aniversário da minha irmã. E agora estamos aqui, tranquilamente sentados, como se nada tivesse acontecido. Resumindo, não. Eu não estou bem.
Seguiu-se um silêncio que ninguém se atreveu a quebrar. A Steph voltou a olhar para o vazio com aquela expressão vazia que tinha antes. Ao olhar para ela, eu soube que tinha de fazer alguma coisa.
E fiz, inconscientemente, a única coisa que achei que podia confortar a Steph e aligeirar um bocadinho o ambiente.
Abracei-a.
E a reação foi inesperada e súbita.
A Steph desatou a chorar, como se não houvesse amanhã e agarrou-se a mim com toda a sua força. A Margott e o John juntaram-se ao abraço. Algum tempo depois, soltamo-nos, a Steph limpou as lágrimas e agradeceu.
Infelizmente, a professora estragou o momento.
— Eu disse que podiam conversar, não dar abraços!
A professora disse-o com um leve sorriso, e a Rainha da Ironia aproveitou logo a oportunidade. Então, subitamente séria, mas, ainda assim, troceira, disse:
— Tem toda a razão Sr.ª professora! - Virou-se para nós e continuou - Estão a ver naquilo que nos meteram com essa lamechice toda? Vá, recomponham-se, seus pirralhos. Hum, acho bem, acho bem. - Todos na sala prenderam o riso, mas a Steph ainda não tinha acabado - Peço imensa desculpa pelo comportamento deles, Sr.ª professora. Garanto-lhe que não volta a acontecer!
Aí é que foi impossível aguentar o riso e no meio das gargalhadas a Margott completou com chave de ouro.
— Cuidado professora, senão ainda é substituída pela Prof. Stephanie!
Estava a sala toda a rir quando tocou para sair e depois, só me lembro de ficar tudo preto, das gargalhadas a diminuirem e de ouvir um berro, tão perto como longe.