Capítulo 1

Hoje foi um dia muito estranho!

Hoje de manhã, eu fui para a escola, como em todos os outros dias. Mas, ao contrário de todos os outros dias, estava imenso trânsito, por isso eu cheguei super atrasada. No entanto, parece que o professor chegou ainda mais atrasado, porque quando eu cheguei deparei-me com a minha turma no recreio.

“Haha! Desta vez safei-me de boas!”

Fui ter com os meus amigos: a Stephanie, a Margott e o John.

— Ah!!! Vossa Majestade, Rainha Kora, dá-nos a honra da sua presença! - eles fizeram uma vénia, rindo face ao comentário da Steph.

Decidi alinhar.

— Ah, obrigada, obrigada, meus fiéis súbditos, obrigada!

Todos nos rimos. Sentámo-nos à espera do professor, a conversar sobre a vida, quando a Margott reparou que havia um pontinho branco, brilhante e a pairar. Para já estava longe, mas parecia estar a aproximar-se. Nós ignoramos, no início. Mas o ponto tornou-se tão grande e tão brilhante que era impossível ignorar. O ponto, que agora mais parecia um buraco negro, de tão grande e tão cegante que era, começou a assustar-nos. Ainda mais pelo facto de ninguém ver aquela coisa, além de nós.

E depois, não sei o que aconteceu, nem como aconteceu, só sei que caí em cima do John e quando acordei, de alguma forma, estava no sopé do monte Everest, vestida tal e qual um urso-polar, com ferramentas de escalada e ao lado dos meus amigos que, pareciam estar em choque. E mais rápido do que eu consigo dizer “Monte Everest”, o cenário mudou de quatro adolescentes em completo estado de choque para a Stephanie e a Margott a terem ataquinhos de histerismo e pânico, eu a beliscar-me para ter a certeza que não estava a delirar, e um John completamente calmo, provavelmente a pensar num plano qualquer para nos tirar dali. E então, no meio daquele silêncio ensurdecedor, ouvimos um rugido…

Parámos todos, a olhar para cima.

Eu (em parte por causa dos beliscões), a Stephanie e a Margott já estávamos a chorar de pânico. E, no meio de todo aquele pânico feminino, o John, que até então estava tão concentrado como num teste e tão calmo como se estivesse a apanhar sol na praia, disse:

— Temos de chegar ao outro lado.

Houve qualquer coisa no tom dele que me irritou profundamente. E não fui a única, porque a Steph e a Margott também elevaram a voz:

— Ah sim?! E como é que tu queres que nós escalemos o Monte Everest?! - Disse a Margott, gritando as últimas palavras.

— A não ser que estejas à espera que apareça um elevador para nos levar lá para cima! - A Steph é a Rainha Suprema da Ironia e ninguém pode negá-lo.

— Além disso, estás a falar do Monte Everest! Do género, só a maior montanha do mundo! Nada de mais… - Se o olhar matasse, o John já estaria morto. A Steph pode ser conhecida pela sua sempre presente ironia, mas eu sou conhecida pelo meu olhar de morte. É a minha forma de fazer as pessoas saber que eu estou furiosa.

E apesar de, naquele momento, eu não ser a única que estava furiosa, o John continuou tão calmo como antes, o que só nos fez ficar mais irritadas. Coisa que ele deve ter percebido porque, antes de nós nos pormos todas a gritar outra vez, ele disse:

— Acalmem-se meninas, eu sei isso tudo. Só estou a dizer que, se queremos sair daqui, temos de chegar ao…

Olhamos para cima, para o cume do Monte, quando outro rugido, desta vez mais perto, interrompeu o John. Olhámos para o John, com cara de quem diz “E também há isto…”. O que quer que “isto” fosse. Para minha surpresa, o John já não estava calmo. Pelo contrário, ele estava com medo, pânico talvez. Antes de conseguir dizer qualquer coisa, comecei a subir a uma velocidade incrível. Quando dei por mim estava no cume do Monte Everest, sentada numa coisa peluda.

E não, a neve não devia ser peluda.

— Y… Ye… Yeti!!! - a Steph estava em pânico. A Margott, cujo pai é cientista, e por isso ela não acredita em nada que não esteja cientificamente provado, interveio dizendo que os Yetis não existem. Mal ela conseguiu acabar de falar, já se estava a ouvir outro rugido diretamente por cima de nós.

— Não. Olhem. Para. Cima. - Disse o John, que já estava a fazer exatamente o contrário. Automaticamente todas olhamos para cima. Suponho que a Margott se tenha arrependido imediatamente do que disse sobre os Yetis, porque é humanamente impossível confundir aquele ser do tamanho de um prédio com um urso-polar. Então ele tirou a mão de debaixo de nós e todos nos levantamos, incluindo o Yeti e - Oh. Meu. Deus! - aquilo era gigante! Eu retiro o que disse, aquilo devia ter o tamanho de um arranha-céus! Mas, sinceramente, não parecia ser mau. Parecia mais um boneco de peluche! Bem, isto se um boneco de peluche tivesse uns não sei quantos metros de altura…

O John, triunfante, quebrou o silêncio:

— Veem? Afinal não foi assim tão difícil chegar cá a cima!

Eu queria bater-lhe, mas a possibilidade do Yeti se sentir ameaçado e me esmagar, impediu-me.

O Yeti rugiu e saltou de felicidade. Não sei como é que não houve uma avalanche, mas tudo bem. E foi aí que eu a vi. Lá no fundo havia uma porta que dizia “Para a casa conseguires chegar, a história terás de acabar”.

— Temos de chegar àquela porta. - a minha voz não passou de um sussurro - Temos de arranjar forma de chegar à porta, sem irritar o Yeti. E sem morrer, de preferência.

— Não morrer parece-me bem! - murmurou a Steph de volta. Eu virei-me para o Yeti, que já tinha parado de saltar. Sabia exatamente o que tinha de fazer. Também sabia que era uma completa loucura, mas mesmo assim perguntei, a medo:

— Como te chamas?

Silêncio.

O Yeti olhou para mim, meio confuso. Os meus amigos também olharam para mim, alarmados. Então o Yeti sentou-se e começou a escrever com o dedo na neve: “Sr. Nevada”.

— Muito bem, Sr. Nevada. E o que fazes aqui?

Tal como eu temia, ele apontou para a porta, como que a dizer que estava ali para a proteger. Os meus amigos continuavam imóveis e em puro silêncio.

— E tu és um Yeti, não és?

Ele acenou e apontou para a montanha onde estava sentado.

— Um Yeti… das montanhas? - mais uma vez ele concordou, entusiasmado. - Há outro tipo de Yeti? - ele desenhou pântanos e florestas. Desenhava bem melhor do que eu estava à espera. Bem, não deve ter visitas muitas vezes, por isso suponho que tivesse de arranjar um hobby.

— Então deixa lá ver se percebi: tu és um Yeti das montanhas, chamado Sr. Nevada e estás aqui para proteger aquela porta. - apontei para a porta atrás dele e o Sr. Nevada acenou, concordando - E, além de ti, também existem Yetis dos pântanos e das florestas.

O Sr. Nevada acenou e bateu palmas, confirmando tudo o que eu tinha acabado de dizer. Ele até era simpático, por isso ganhei coragem, tendo a perfeita noção de que era bem capaz de ir daquela para melhor, e perguntei:

— Dás-me um abraço?

O Yeti estava genuinamente confuso. Quanto aos meus amigos, estavam seriamente preocupados com a minha saúde mental. Acho um bocado exagerado, mas se há vinte minutos me tivessem dito que ia abraçar um Yeti das montanhas chamado Sr. Nevada, eu também duvidaria da sanidade mental da pessoa.

Cheguei à conclusão que o Sr. Nevada não fazia a menor ideia do que era um abraço. Por isso, fui ter com ele, abracei-o e disse:

— Isto é um abraço.

— A. Bla. Sso - disse o Sr. Nevada

— Wow. Acabei de ensinar um Yeti a falar!

— Tecnicamente, ele só disse uma palavra e extremamente mal. Nem sei se isso se qualifica para falar…

— Não estragues a minha felicidade Stephanie!!

— Desculpa. - quase consegui ouvir o sorrisinho idiota na cara dela. Revirei os olhos e continuei super entusiasmada por o Sr. Nevada ter falado.

Bem, depois disto, uma pessoa normal agradeceria com um “obrigado”, mas o Sr. Nevada não é uma pessoa normal, é um Yeti das montanhas que só sabe dizer “ablasso”. Por isso agradeceu à sua maneira. Pegou em mim (que, já agora, sou quase do tamanho do dedo mindinho dele), e deu-me um abraço tão apertado que eu quase fiquei esmagada contra o peito dele. E depois deu-me um beijo. Por momentos pensei que ele estivesse a tentar comer-me!

Fiquei encharcada em baba de Yeti, mas pelo menos o Sr. Nevada deu-nos um trenó para descermos a montanha e desviou-se para nos deixar passar. Durante a viagem de trenó, os meus amigos desataram todos a rir por eu estar coberta de baba da cabeça aos pés. Mais uma vez resisti ao desejo de lhes bater.

Quando chegámos à porta esta estava aberta e agora dizia “Para a casa poderes voltar, terás de me fechar”.

Então, todos juntos, fechamos a porta. Vimos um clarão e quando dei por isso, estávamos no pátio da escola.