Capítulo 2

Quando abri os olhos, reparei que estava seca e com a roupa com que tinha saído de casa. Eu olhei para os meus amigos. Eles olharam para mim. E mal nós conseguimos abrir a boca, o professor chegou e tivemos de ir para a aula.

Uma hora à espera para falar com os meus amigos.

Uma hora de blá, blá, blá.

Uma hora de seca, tão seca que até o deserto é mais molhado.

E depois…

— Kora? Kora!

— Sim, Sr. Professor?

— Perguntei-te qual é a raiz quadrada de 36 vezes 5 a dividir por 10 mais 80 vezes 5.

Estavam todos a olhar para mim, alguns com olhares de troça, como o professor. E eu? Bem, eu não tinha entendido metade do que o professor disse. Por isso, fiz a única coisa que me pareceu ser razoável:

— Pode escrever isso no quadro, por favor?

O professor revirou os olhos, virou-se e escreveu a equação no quadro. Mal o professor se virou, o John passou-me um papel onde ele tinha escrito na sua letra cuidada e perfeita:

\[ \sqrt{36} = 6 \]

\[ 6 \times 5 = 30 \]

\[ 30 \div 10 = 3 \]

\[ 80 \times 5 = 400 \]

\[ 400 + 3 = 403 \]

Deus do Céu! O John é o meu anjo da guarda! E, aviso já, que ele faz o seu trabalho muito, muito bem!

Então eu olhei para o professor, que acabara de se virar de novo para mim. Fingi analisar a conta e depois disse:

— Bem, para resolver esta conta…

— Expressão numérica - corrigiu o professor. Argh! Ele estava mesmo empenhado em humilhar-me!

— Expressão numérica, certo. Para resolver esta expressão numérica, começamos por fazer a raiz quadrada de 36, que é 6. Depois fazemos 6 vezes 5 que dá 30. 30 a dividir por 10 é igual a 3. - eu ía discretamente olhando para o papel que o John me deu - Agora, como a multiplicação faz-se sempre antes da soma, 80 vezes 5 é igual a 400 e 400 mais 3 é 403. Por isso, Sr. Professor, o resultado da raiz quadrada de 36 vezes 5 a dividir por 10 mais 80 vezes 5 é, se os meus cálculos estiverem corretos, 403.

Silêncio total.

Só se ouvia os botões da calculadora, enquanto o professor verificava o meu cálculo. Quer dizer, o cálculo do John, porque se não fosse ele eu ainda estaria completamente às aranhas. O professor virou-se para mim, completamente baralhado e disse as duas palavras que eu mais desejava ouvir:

— Está… correto!

Eu sorri, triunfante. E apesar de saber que o professor não me ia perguntar mais nada naquela aula, comecei a prestar atenção. O mínimo possível, mas mesmo assim…


\[ \lll \ggg \]

Quando tocou para o intervalo, eu fui à mochila buscar o lanche e reparei num livro que não me lembro de ter posto na mochila. Peguei nele e li o título: “Aventura no Monte Everest”. Não era um livro muito grosso, como os que eu costumo ler. E não podia ser de nenhum dos meus amigos, porque eles também só leem livros grandes. Ser de alguém da minha turma também não é opção, porque eles têm nojo de sequer pegar num livro. Não sabem o que perdem… Mas não é essa a questão. A questão é que não podia ser de nenhum deles e mais ninguém entrou na nossa sala, por isso eu não fazia a menor ideia de onde tinha vindo aquele livro. Virei-o e li uma descrição da qual não estava nada à espera:

“Um pequeno grupo de adolescentes, um rapaz e três raparigas, decidiram escalar o monte Everest. No entanto, escalar não foi necessário, pois outras coisas aconteceram. Queres descobrir o que se passou? Lê o livro para descobrir todas as peripécias deste pequeno grupo de amigos!”

Achei estranho que um livro, vindo do nada, aparecesse na minha mochila e que, por acaso, contasse exatamente o que tinha acontecido comigo e com os meus amigos, mas não fiz caso. O intervalo já tinha começado e os meus amigos já estavam à minha espera fora da sala. Mal pus um pé fora da sala, comecei logo a desabafar.

— Deus do Céu, John, obrigada! Se não me tivesses ajudado eu já estava de castigo! És mesmo o meu anjo da guarda!

Dei-lhe um beijo na bochecha, como agradecimento. As minhas amigas sorriram e o John corou.

— Achas mesmo que eu ia deixar que tu ficasses de castigo antes de falarmos sobre… o que quer que aquilo tenha sido? Mas não posso livrar-te sempre, da próxima vez presta pelo menos um bocadinho de atenção ao professor.

— Pois é, Kora. Devias prestar mais atenção ao professor em vez de passares a aula a pensar na enorme beleza do teu namoradinho! - A Steph sorriu. O John revirou os olhos, tentando esconder o sorriso e eu corei.

— Steph, eu adoro-te, mas às vezes gostava mesmo de poder esganar-te!

A Steph riu-se e a Margott, claramente divertida com a cena, puxou o assunto “Monte Everest”.

— Algum de vocês percebeu como é que nós fomos lá parar?

— O clarão deve ter tido alguma coisa a ver com isso… - respondeu a Steph, pensativa.

— De qualquer forma é estranho: num segundo estamos na escola e no segundo seguinte estamos no Monte Everest.

— E também havia o Sr. Nevada… - disse mais para mim do que para eles. Demorei dois segundos a perceber que devia ter ficado calada. Foram os dois segundos em que houve total silêncio. Depois disso, a Steph e a Margott desataram à gargalhada. Até o John, o super sério, mas divertido John, parecia estar prestes a rebentar. Felizmente para eles, eu lembrei-me de algo melhor para fazer do que espetar dois estalos a cada um:

— Olhem, pelo menos eu tive a decência de falar com ele, ao contrário de vocês que são uns medricas! Se não fosse eu, ainda estávamos lá, a olhar especados e imóveis para um Yeti!

Elas pararam de rir imediatamente e o John tirou aquele sorrisinho estúpido de quem não aguenta prender o sorriso. Eu olhei para eles com cara de quem diz: “Estamos resolvidos?”. Eles estavam envergonhados, o que me fez sorrir triunfante e continuar a conversa:

— Bem, já que isso está arrumado, alguém tem alguma ideia do porquê de termos de fechar a porta em vez de a abrir?

— Não…

— Quer dizer, não faz sentido. - disse a Margott - Normalmente para irmos para algum lado temos de abrir a porta, não fechá-la…

A Steph já ia fazer um comentário sarcástico qualquer, mas nós conhecemo-la demasiado bem.

— Não comeces Stephanie, estou a falar a sério, temos de perceber o que se passa, senão, da próxima vez, ainda… - A Margott não conseguiu acabar a frase, porque tocou para entrar para a aula. Subimos para a sala no 3º andar e antes de entrarmos na sala eu puxei a Margott à parte e perguntei-lhe num sussurro:

— Da próxima vez, o quê?

— Da próxima vez ainda ficamos lá presos. - Ela respondeu no mesmo tom baixo, no entanto, muito mais sombrio.

Eu fiquei muito assustada, agarrei-lhe o braço com força e apontei para a janela com a cabeça. Ela olhou para lá e, quando viu, chamou a Steph e o John. Eles voltaram para trás e também se assustaram com o que viram. E não, não era uma aranha qualquer nem nada do género. Era um ponto brilhante e que se estava a aproximar, em todos os aspetos igual ao outro, mas desta vez, vermelho-sangue. O ponto ia-se aproximando, e nós, que sabíamos que não havia forma de lhe escapar, ficámos parados, à espera do impacto.

Chamem-me louca, mas eu tenho a certeza de que um livro com uma capa cheia de monstros, apareceu na minha mesa.

E depois, apaguei.